Historiadora da UFMG desconstrói a Xica da Silva da novela e do filme

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Segundo a entrevista da historiadora mineira Júnia Ferreira Furtado, professora da UFMG e fera na crônica de costumes diamantina, publicada em 07/06/2003 ás 05h52 pelo site Folha Online. Xica da Silva, a toda-poderosa rainha dos diamantes das Gerais, a heroína negra libertadora, a mulher superior capaz de fazer qualquer homem metido a besta devotar-se aos seus pés, nunca existiu. Não passa de uma invenção dos folhetins, do filme homônimo de Cacá Diegues (1976), da safadeza lírica cantada por Jorge Benjor e da telenovela da finada Rede Manchete (1997).

Os acadêmicos sérios existem para sequestrar lendas e masturbações de fundo colonial. Assim nos chega "Chica da Silva e o Contratador de Diamantes - O Outro Lado do Mito", da historiadora Júnia.

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A autora desconstrói a sedutora Xica com "x" que teria reinado no arraial do Tejuco no século 18. A redentora dos negros, visão romântica defendida por alguns pesquisadores, também não se sustenta. Como outras alforriadas, Francisca, mulher do português João Fernandes de Oliveira, acumulou riquezas e chegou a ser proprietária de uma centena de escravos.

Filha de Maria da Costa com Antônio Caetano de Sá, Chica nasceu entre os anos de 1731 e 1735 --não há registro de data certeira-- e morreu em 1796. Ficou livre da escravidão por causa do relacionamento com o branco Oliveira, o homem dos diamantes. As mulheres forras, segundo a historiadora, passavam a usufruir de todas as vantagens que a sociedade podia lhes oferecer, a fim de minimizar o estigma da escravidão.

"Mas essa possibilidade não pode ser compreendida como sintoma de tolerância e de benignidade das relações raciais no Brasil, que teriam se constituído sob a forma de uma democracia racial", diz Júnia Furtado.

Devoradora de homens

Mãe de 13 filhos com Fernandes de Oliveira, a Chica real, relata a autora, não bate com o mito da figura lasciva, a "devoradora de homens", como inventaram os romances, o cinema e a TV.

O primeiro escriba a destratar a ex-escrava foi Joaquim Felício dos Santos, cronista de "O Jequitinhonha". Nas suas "Memórias do Distrito Diamantino", de 1868, ele critica os modos de Chica, criando um mito de que era uma criatura diferente, quando mantinha os mesmos hábitos e costumes das demais alforriadas.

A coincidência: em 1976, João Felício dos Santos, um sobrinho-neto do mesmo cronista, publica o romance "Xica da Silva", no qual foi baseado o filme de Cacá Diegues. Em vez do tratamento grosseiro dado pelo tio-avô, o autor do novo folhetim acentuava, noves fora os desacertos com a história, a beleza e a sensualidade extremada da personagem.

"Esse autor reatualiza o mito e atribui-lhes características sensuais, tão ao gosto da década de 1970, quando a revolução sexual liberta a mulher dos estereótipos que a mantinham presa à imagem de recato e confinamento do lar", narra Júnia Furtado.

Coube a Zezé Motta o papel no cinema. Xica tudo podia. Sensacional a cena do enfado dela diante do mar. Quando dançava, valia uma Diamantina inteira. Será difícil, mesmo depois da leitura do livro, tirar das retinas fatigadas as mungangas, delícias e pantins dessa invenção.

Mas o que não faltou à autora foi coragem e pesquisa consistente para refazer a história da mulher que tinha "cara cor da noite, olhos cor de estrela", como já dizia, no seu "Romanceiro da Inconfidência", a escritora Cecília Meireles.



Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u33870.shtml

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